[Migraciones - #6] Escrever sobre o mundo me ensinou a vê-lo
Migraciones é uma newsletter quinzenal de crônicas, ensaios e reflexões sobre viagens, nomadismo e movimento, enviada sempre às quinta-feiras. E sim, eu mudei um pouco a cara disso aqui desde a última vez. O que achou?
Em 2009, eu comecei um blog de viagens chamado “Lá e de volta outra vez…”, em referência a uma frase do Tolkien que não me lembro se saiu do Hobbit ou do Senhor dos Anéis. O projeto, que durou só algumas semanas, contava os passos do primeiro mochilão que eu fiz na vida, que ia de Guarapari, no Espírito Santo, a Salvador, onde minha mãe vivia naquela época.
Viajei sem notebook, o que me forçava a passar raiva nos computadores lentos de lan houses escuras e amontoadas, fato que sem dúvidas levou o blog a um fim precoce com menos de uma dezena de textos que mais tarde foram adaptados e repostados no 360meridianos.
Eu quase nunca me lembro desse blog como parte da minha trajetória profissional. Mas de alguma forma, estava ali: viajar o mundo e contar sobre o que vi. As viagens são a grande temática das coisas que eu escrevo há pelo menos 12 anos, mas eu só abracei de verdade essa ideia em 2016, quando me aprofundei nesse tipo de jornalismo e estudei um pouco de antropologia. E só fiquei realmente em paz com ela… bom, há poucos meses.
Entender que minha grande paixão na vida é transformar culturas, histórias e personagens da estrada em literatura foi libertador. Em primeiro lugar, porque percebi que não preciso escrever ficção para ser escritora, embora nada me impeça de fazê-lo quando a inspiração bater. Em segundo, porque de alguma forma me senti membro de um clube de escritores e jornalistas que sempre admirei: de George Orwell a Gabriel García Márquez; de Guimarães Rosa a Hemingway: foram muitos aqueles que viajavam para contar.
“Se as viagens são tão antigas quanto a humanidade, os relatos de viagem são tão antigos quanto a escrita. A necessidade de registrar nossas andanças pelo mundo para mostrá-la a quem não esteve lá com a gente sempre existiu: a princípio, como um registro, uma documentação de um mundo ainda vastamente desconhecido. Mais tarde, ganhou contornos de literatura e poesia, relatando a história de aventureiros reais e fictícios”, escrevi uma vez no 360meridianos.
Outro dia, assistindo à reprise do Clone na tv, me peguei extremamente incomodada com a qualidade dos diálogos. Faz muitos anos que eu não acompanho novela, e talvez eu esteja desacostumada com o formato. Mas quando O Clone passou pela primeira vez, eu não perdia um capítulo. Eu não sei exatamente o que prendia meu eu de 14 anos àquela trama, porque eu me lembro de shippar muito o Lucas e a Jade, mas também de ficar fascinada com o Marrocos e a cultura muçulmana. Eu sempre tive uma curiosidade enorme sobre o mundo — mesmo quando não podia viajar — e escrever sobre isso me ajudou a mergulhar nele.
Escrever sempre foi minha forma de processar as coisas. Talvez a sua seja desenhar, tirar fotos ou ter longas conversas sobre o tema. Mas o importante é que escrever me ajuda a entender o que eu vi e vivi. E entender essas coisas em uma viagem passa por entender as pessoas, a cultura, a história. Preciso agarrar detalhes, cheiros, cores, dissecar dinâmicas, relembrar diálogos, me despir dos meus próprios preconceitos.
Olhando lá para trás, para quando eu digitava minhas impressões sobre a Bahia naquele blog de layout feioso hospedado no blogspot, o que eu vejo é uma grande transformação na formo como as viagens me atravessam. Se antes eu colocava o mundo ao redor do meu umbigo, aprender a escrever sobre viagens me ensinou a viajar para além de mim mesma.
Palestra Narrativas Itinerantes
E é sobre essa transformação que eu vou falar hoje na minha palestra no Congresso Nômade Digital Brazil 2021.
Através da minha trajetória como produtora de conteúdo, vou falar um pouquinho do meu olhar sobre as viagens, dos principais desafios da profissão e de como podemos nos conectar mais com os lugares e as pessoas que encontramos na estrada.
O evento será hoje, quinta-feira (16) às 18h. Para assistir, basta entrar nesse link na hora marcada.
Te vejo lá!