[Migraciones #34] Um naufrágio, um tesouro e um amor interrompido
Histórias das ruas de Cartagena das Índias
— Está pros lados de lá, a uns cem, talvez duzentos quilômetros da costa.
E é certa essa história, afundou há uns três séculos, quando a Colômbia ainda era colônia.
São 20 bilhões. 20 bilhões de dólares perdidos no fundo do oceano, você consegue imaginar um dinheiro desses? Afundou junto com 600 pessoas e o Galeão São José, que pegou fogo quando partia pra Espanha. Não andou quase nada, tudo aconteceu logo ali. Dizem que dava para ver a fumaça daqui de Cartagena.
Queria ser um peixe pra ir lá ver isso, esse ouro todo. Ainda não fomos buscar porque falta tecnologia. Você viu o que aconteceu com quem foi atrás do Titanic? Pois então, corre o risco. É difícil desenterrar tesouros, não é como nos filmes de pirata. Mas, ano passado, o governo mandou uma sonda. Todo mundo sabia dessa história, mas ninguém nunca tinha visto o navio, era uma dessas coisas que a gente escuta contar aqui em Cartagena. Casos que passam de avô pros netos, dos pais pros filhos, das conversas no cais.
Mas faz uns anos, alguém descobriu ele lá: intacto. As porcelanas, o ouro, a prata, as pedras preciosas. Por séculos perdido, acumulando alga e mar. Demorou um tempo ainda pra conseguirem mandar tal sonda. Precisa de dinheiro, né? Mais dinheiro pra ir buscar o dinheiro. Agora temos registrado, um tesouro em alta definição. Está protegido pela Marinha, que é pra ninguém tentar dar uma de esperto.
Sabe o que a Espanha falou quando ficou sabendo? Mandou avisar a Colômbia que o tesouro era dela! O tesouro que eles estavam levando daqui na época que nos invadiram. Imagina a cara de pau? Esses malparidos españoles! O ouro, a prata que eles estava tirando daqui e levando pra lá, eles tiveram coragem de pedir de volta.
O que o governo fez? O governo riu. É claro que é colombiano, foi tirado daqui e está dentro de águas colombianas. É nosso. Quero ver tentaram tirar da gente. É tanta grana que dava para pagar nossa dívida com os Gringos, é o que dizem. Você quer saber o que eu acho? Que não deveria pagar ninguém.
Mas isso é pra você ver que essa cidade tem muitas histórias. Não sei o que acontece aqui, tem alguma coisa nas ruas, uma magia. Acontece toda sorte de coisa aqui, você não acredita. Acha que é invenção. Mas eu nasci aqui, vivi aqui e trabalhei a vida inteira nessas ruas. Te digo: é verdade.
Você já passeou no centro histórico? viu as placas das ruas de lá?
Na Colômbia, as ruas costumam ser numeradas. Calle 1, Carrera 3, e assim por diante. Ajuda pra gente que trabalha no trânsito. Você me diz um endereço e eu consigo fazer o download do mapa aqui na cabeça, cruzar a calle e a carrera e saber exatamente onde está. Mas na cidade murada é diferente, você reparou? Lá, as ruas tem nomes. Nomes de pessoas, de lugares, de objeto. E cada nome faz referência a um caso que aconteceu naquela rua.
Quer ver só? Passaram pela Calle de la Soledad? Há muitos anos vivia uma mulher muito bonita ali que tinha esse nome, Soledad. Ela se apaixonou por um comandante espanhol, que logo teve que voltar para o seu país. Ele já tinha partido quando Soledad descobriu que estava grávida.
Ele nunca ficou sabendo do filho. E Soladad, desemparada, se enforcou ali mesmo. E por isso a rua foi batizada assim, é uma homenagem, mas também um jeito da gente guardar essas memórias.
Você precisa olhar além dos ladrilhos quando caminha por aqui. Cartagena é feita de concreto e de histórias. Você mata essas histórias e a cidade morre também.
Quando ouvi, achei que era lenda urbana ou história de taxista. Porém a Colômbia é realismo mágico não é a toa, e o Galeão São José (junto com todo o tesouro dentro dele) é real, como você pode ler aqui e aqui.
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Uma vez me disseram que para criar coisas bonitas era preciso ter uma vida interessante.
Tamara certamente a tem. Não é todo mundo que sabe pilotar (Dirigir? Tocar? Conduzir?) um veleiro aos vinte e poucos. Mas não é isso que faz com que o livro dela seja bom.
O que me prendeu na leitura foi menos a história da travessia marítima e mais as várias histórias sobre suas travessias pessoais.
Quando ela fala de barcos, com um vocabulário técnico que estou longe de entender, ela fala de muitas coisas que eu entendo muito bem: da relação nem sempre tranquila com os pais, sobre ter irmãs, de desilusões amorosas, de ser mulher e crescer em um mundo que não é feito pra gente, do dilema entre ficar e partir, da busca por autonomia, da ânsia de ver o mundo com nossos próprios olhos e do que significa, realmente, a palavra liberdade.
A interessância está dentro, e não fora da gente. Tem menos a ver com percorrer a savana africana, falar cinco línguas, escalar Everests ou voltar pra casa de barco depois das férias da faculdade, e mais em enxergar o extraordinário nos mastros e nas velas, mas também no café coado, na manhã preguiçosa de domingo, nos encontros casuais, nos almoços de família.
É preciso sentir. E pra sentir a gente precisa notar.
E depois ter a coragem de colocar tudo pra fora, porque criar é também se expor.
Não que seja fácil. Expor nossas vulnerabilidades é amedrontador. É deixar a ferida ali exposta, pra todo mundo. E como eu sei disso!
Pra mim sempre foi muito difícil me colocar inteira nos meus textos pra internet.
Na I-N-T-E-R-N-E-T.
Esse lugar em que todo mundo pode te ver. Você publica algo e está sujeito a julgamentos (e, às vezes, xingamentos) de gente que você nunca viu.
Mas são as nossas vulnerabilidades que também nos conectam com o outro, que mostram quem somos de fato.
É preciso ter coragem pra ser imperfeita.
Mas é na imperfeição que as pessoas se sentem à vontade para pegar uma xícara de café e ficar. Ver mais aqui.
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