[MIGRACIONES #01] Por que nos movemos?
Você está recebendo esse e-mail porque estava inscrito na minha antiga newsletter. Eu trouxe todo mundo para cá, mas viagens, escrita e criatividade continuam sendo assuntos por aqui. Se preferir, você pode se desinscrever no fim desse email. Prometo que vamos continuar amigos.
E pra quem resolver ficar, obrigada por me acompanhar em mais esse voo.
Olá,
Apareço, outra vez, depois de muito tempo, mudando tudo de lugar. Talvez você já esteja acostumado a esses sumiços. Vira e mexe eu faço isso: mudo de nome, de cores e coloco tudo no chão pra começar outra vez. Difícil continuar igual quando tudo se transforma o tempo todo, até a gente. Fico feliz que, apesar de ter mudando tanto também, você ainda esteja por aqui.
Fiquei semanas, talvez meses, sem escrever, em parte porque não conseguia encontrar um motivo, em parte porque organizava a mudança. A vida esteve tumultuada por aqui, confesso, e senti que precisava de um outro espaço para dividir as andanças que estavam por começar. Já explico.
Durante um passeio de barco por um rio na Bahia, tive uma dessas epifanias: era hora de começar um projeto novo, de ter de volta um espaço em que eu pudesse “viajar o mundo e escrever sobre o que vi”. Afinal, não é isso que eu sempre respondo quando querem saber o que faço?
O formato de newsletter é um movimento de resistência. É aqui que posso contar histórias pelo prazer da narrativa e falar sobre coisas que o algoritmo não te conta, porque ninguém pergunta, mas ainda assim são gostosas de ler. Tipo quando você se senta em um café com um amigo e, entre jogar fora uma conversa e outra, acaba descobrindo teorias mirabolantes e planos para salvar o mundo que uma busca utilitária no Google não é capaz de te mostrar porque ele é feito para só te dar respostas para as perguntas que você fez. Para as respostas pras perguntas que você não fez é preciso se permitir vaguear um pouco, pra dar a elas a chance de esbarrarem em você de vez em quando.
Espero que a gente esbarre com algumas delas por aqui.
Por que Migraciones?
Sempre fui boa aluna, mas foram poucas as aulas que tive que realmente mudaram minha vida. Pelo menos de uma forma concreta e palpável, e menos daquela maneira imperceptível e edificante com a qual o conhecimento te transforma todos os dias, milímetro a milímetro. Uma dessas aulas foi a cadeira de Antropologia que cursei cinco - CINCO! - anos atrás, no meu Máster de Jornalismo de Viagens em Barcelona.
Além de me apresentar todo um universo de interesses novo, mudar a forma como eu viajo, como eu me percebo no mundo e como me relaciono com outras culturas, essa disciplina sozinha transformou a forma como eu produzia conteúdo, tornando-o, eu acho, um pouco mais maduro e político. Na época, eu já trabalhava com o 360meridianos há seis anos, e já tinha passado por muitas fases: da de diarinho de viagem despretensioso à de listas estilo Buzzfeed pra bombar no Facebook, e começava a entrar de cabeça na guerra perdida contra o algoritmo.
Depois de uma dessas aulas, eu escrevi um post intitulado “O ser humano é viajante por natureza”, ressaltando a características migratórias da nossa espécie e como elas sempre estiveram presentes na nossa história, mesmo antes que o turismo fosse uma realidade tão banal e depois fosse arrancado de nós de repente, no escuro da noite, como foram arrancadas tantas outras atividades banais que dávamos como certas e seguras.
“Somos aves migratórias”, escrevi. E o desejo de saber o que há logo ali - no espaço, no tempo e em todas as outras dimensões - é parte de quem somos.
Em outro texto, também publicado no blog, minha amiga Luíza cita Mohsin Hamid, um escritor paquistanês que viveu anos na Inglaterra e nos Estados Unidos e, recentemente, retornou a casa. No artigo publicado pela National Geographic, ele afirma que a mera distinção entre nativos e imigrantes é, em si, uma mentira.
Nenhum de nós é nativo do lugar que chamamos de casa. E nenhum de nós é nativo desse momento no tempo.
Humanos têm que fingir serem estáticos, imutáveis, ancorados à terra onde estão atualmente e a um tempo como o tempo de sua infância – ou da infância de seus ancestrais – um tempo imaginário, onde ficar parado é só uma possibilidade imaginária.
Todos nós já nos sentimos, em alguma medida, forasteiros. Pertencimento nada mais é que um conceito relativo, provisório e circunstancial e nossas raízes costumam ser mais aéreas que muitos gostamos de admitir. A impermanência faz parte de nossa identidade como espécie.
Para além de todas as forças sócio-políticas que inevitavelmente desencadeiam fluxos migratórios em diferentes momentos da história – a luta pela sobrevivência, as opressões, o poder, a conquista, o dinheiro, o lazer –, seres humanos são naturalmente impelidos a se mover, tanto pelo tempo, à medida em que os segundos se transformam em horas, dias, anos, e essa passagem inevitável carrega, em si, a mudança; quanto pelo espaço geográfico, pois há, dentro de nós, o impulso de fazê-lo, a curiosidade de explorar fronteiras físicas e metafóricas.
Ambos os movimentos se relacionam. José Saramago, em seu livro Viagem a Portugal, escreveu que todo viajante “tem o legítimo e humaníssimo desejo de ver o que outras pessoas viram, de assentar os pés onde outros deixaram marcas”. Ansiamos por nos mover no mundo porque sabemos que não podemos estacionar no tempo. E a consciência de que nossa própria existência é também transitória é o que nos gera a urgência de experimentar o mundo com nossos sentidos.
Em outro quote genial de seu artigo, Mohsin Hamid diz que “Nós nos movemos quando é intolerável permanecer onde estamos. Nos movemos por causa de perturbações no ambiente e perigos físicos e pela cabeça fechada de nossos vizinhos — e para nos tornar quem queremos ser, para buscar aquilo que queremos buscar.”
Essa pode ser uma newsletter sobre viagens, mas, antes de tudo, quero que seja uma newsletter sobre o movimento, os impactos dele dentro e fora da gente e sobre como nós nos relacionamos com ele.
Migremos.
<3 Leituras e favoritos da internetz
De vez em quando eu topo com uma escritora por aí de quem quero ser (e ajo como se fosse) melhor amiga. Dessa vez meu crush literário chama-se Jia Tolentino. Você deve ter ouvido falar dela. Ela escreveu o best seller Falso Espelho: Reflexões sobre a auto-ilusão, no qual ela investiga, através de temas que são parte do cotidiano do geração millennial, as forças transformadoras da visão que temos sobre nós mesmos e o mundo lá fora.
How To Do Nothing, de Jenny Odell, foi talvez o principal responsável por gerar em mim a vontade de criar essa newsletter. A autora fala sobre a economia da atenção e como podemos resistir a ela e ao uso nocivo das redes sociais. Spoiler: é preciso nos desviar da ditadura do algoritmo, criar espaços de trocas reais e conexão e fazer da internet um lugar divertido novamente.
Se você também pensa em criar uma newsletter porreta, estou fazendo o curso sobre técnicas criativas da Aline Valek no Domestika. O projeto final que ela propõe é exatamente esse: criar uma newsletter como um espaço de expressão criativa. Eu em geral me frustro com os cursos do Domestika pq são muito básicos, então em geral só vale a pena se você não sabe nada sobre o tópico, mas esse eu gostei real.
Essa thread conta algumas propostas estudadas na China para diminuir a influência dos algoritmos na nossa experiência digital.
Uma excelente reportagem da New Yorker sobre a morte misteriosa de nove viajantes soviéticos nas montanhas nevadas que pode, ou não, envolver UFOs, testes de armas experimentais e o Pé Grande (em inglês).